entrevista ao Portal G1

Comandante do Colégio Vila Militar concede entrevista ao Portal G1 sobre o tema : “Professores e pesquisadores criticam modelo cívico-militar para escolas estaduais; secretário diz que proposta atende ‘anseio da sociedade”. Confira a reportagem na íntegra.

Apesar da popularidade do modelo cívico-militar para colégios da rede pública do Paraná, especialistas em educação criticam o programa. Segundo eles, o formato não deve ser capaz de melhorar o ensino nos colégios. Por outro lado, o secretário estadual da Educação, Renato Feder, afirma que o modelo atende um “anseio da sociedade”.

Até quarta-feira (11), pais de alunos, professores e funcionários de 186 escolas aprovaram a proposta de mudança do governo estadual para 2021.

Com isso, o Paraná passará a ser o estado com o maior número de colégios com este modelo. Segundo dados do Ministério da Educação, atualmente o Brasil conta com 50 colégios cívico-militares. Destes, quatro já funcionam no Paraná desde início de 2020.

Na terça-feira (10), a Secretaria Estadual de Educação (Seed) abriu consulta em outros 16 colégios, atendendo um pedido das escolas. De acordo com o secretário Renato Feder, cerca de 200 diretores de outros colégios de todo o estado também manifestaram interesse na mudança de modelo.

A proposta prevê que as escolas tenham gestão compartilhada entre professores civis e policiais militares aposentados.

Enquanto a parte pedagógica continuará sob responsabilidade dos professores da rede estadual, os militares cuidarão da segurança, disciplina, finanças e atividades cívico-militares das escolas.

Entenda como devem funcionar as escolas cívico-militares no Paraná

Segundo o governo, as escolas que já adotaram esse sistema têm, em regra, um desempenho 20% superior à média no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

“Essas escolas têm um padrão bom, mas isso acontece porque há um recurso extraordinário que ela recebe. Não pela inclusão de militares”, afirmou o professor Erasto Fortes Mendonça, especialista em políticas públicas de educação, com pesquisas de pós-doutorado sobre militarização de escolas pela Universidade Federal de Goiás.

De acordo com a Secretaria de Educação (Seed), as novas escolas que passarão a funcionar neste modelo receberão um investimento de R$ 80 milhões.

“Por que o governo não investe no atual modelo educacional? A militarização não é solução. É preciso mais professores e agentes concursados, maiores investimentos em infraestrutura, formação docente e valorização profissional”, afirma a professora de Pós Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Adriana Regina de Jesus.

A maior parte do investimento previsto pelo governo estadual, de R$ 40 milhões, deve ser destinada para a compra de uniformes, que será composto por uma camisa e uma calça farda e distintivos.

Outros R$ 25 milhões serão usados para o pagamento de diárias de militares da reserva que vão atuar como monitores. Além do diretor militar, cada escola deverá ter de três a cinco ex-PMs cuidando da rotina escolar.

Referendo

A proposta inicial do governo estadual era que a comunidade escolar de 216 colégios de 117 cidades do Paraná pudessem decidir sobre a mudança.

Em 186 casos a mudança foi aprovada, em 25 escolas a comunidade rejeitou a alteração e cinco colégios não conseguiram reunir o número mínimo de votantes para decidir sobre o tema.

De acordo com os especialistas, o rito proposto para votação induziu os pais a votarem pela mudança, sem que houvesse uma discussão aprofundada sobre o tema.

“Muitos pais, por ausência de um período adequado para compreender esse processo, votou achando que a proposta é de transformação para escolas como as do Exército ou da Polícia Militar, o que não é o caso. Eles dispõem de uma estrutura muito diferente desta proposta”, afirmou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação do Paraná (APP-Sindicato), Hermes Leão.

O processo de votação nas escolas foi anunciado no dia 26 de outubro, com previsão inicial de ser encerrado até 28 de outubro.

Depois, o fim do referendo foi prorrogado para que mais pessoas da comunidade escolar pudessem participar do processo.

Para o doutor em Educação e professor do curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Reginaldo Rodrigues da Costa, a proposta de mudança não ficou clara.

“É provável que muitos pais tenham votado achando que será um modelo diferente do que será implementado. As tradicionais escolas da Polícia Militar são muito bem vistas, mas elas têm um processo de seleção, são estudantes que tiveram toda uma formação diferente, então não é uma realidade comparável”, afirmou Costa.

Segundo o secretário estadual da Educação, Renato Feder, o processo não foi acelerado. “O projeto foi apresentado em setembro na Assembleia Legislativa, discutido, aprovado, sancionado e agora trouxemos para a comunidade escolher, mas essa discussão vem lá de trás”, disse.

Critérios

Os professores também questionam os critérios de escolha das escolas que receberão os investimentos. Segundo o projeto de lei aprovado pela Alep, os colégios deveriam atender os seguintes pré-requisitos:

em cidades com mais de 10 mil habitantes;

alto índice de vulnerabilidade social;

baixos índices de fluxo escolar;

baixos índices de rendimento escolar;

não ofertar ensino noturno.

De acordo com a App-Sindicato, 86 das 186 escolas que aprovaram a mudança têm ensino noturno, desrespeitando a proposta original do projeto de lei.

28% das escolas escolhidas tiveram nota acima da média estadual no Ideb do Ensino Fundamental

A Seed informou que não é possível ofertar o modelo para o turno da noite porque isso implicaria em um aumento significativo dos custos do projeto, mas que, nestes locais, os alunos poderão optar por mudar de turno ou serão direcionados a uma escola próxima com oferta de aulas à noite.

Sobre os outros critérios, o governo informou que foram cruzados dados do Ideb, de rendimento médio dos alunos em cada escola e dados internos da secretaria sobre o perfil sócio-econômico das regiões de cada escola.

‘Anseio da sociedade’

Segundo o secretário Renato Feder, o modelo atende a um desejo de uma parcela da sociedade.

“Tem muitos pais que querem esse modelo, e nós entendemos que a proposta dá essa opção a eles. É um anseio da sociedade por uma educação nestes moldes. E o papel do governo é atender isso”, disse.

Em janeiro, quatro escolas estaduais do Paraná passaram a integrar o programa do governo federal de escolas cívico-militares.

Luiza Aparecida dos Santos tem um filho de 14 anos matriculado na escola Beatriz Faria Ansay, em Curitiba, uma das instituições que passou pela transformação.

Por causa da pandemia, os alunos praticamente não tiveram aulas no novo modelo. Mesmo assim, a expectativa da mãe é que o formato, quando aplicado no ensino presencial, melhore a educação na escola e dê mais segurança aos alunos.

“É uma região muito insegura, com muita criminalidade. Com mais disciplina, as coisas devem melhorar”, afirmou.

Risco de segregação

Nas escolas cívico-miliares, os alunos usarão um uniforme-farda e terão uma sexta aula diária com conteúdos cívicos. Além disso, segundo o secretário Renato Feder, de um modo geral, o modelo oferecerá uma “educação com mais disciplina”.

Especialistas, no entanto, acreditam que o modelo cívico-militar pode ser de difícil adaptação para uma parcela dos alunos.

“Não é saudável impor certos rigores do ambiente militar em dentro de uma escola, justamente na fase da vida em que os adolescentes buscam um padrão visual de grupo, que às vezes é um cabelo comprido, um brinco, uma peça de roupa diferente”, afirmou o especialista em políticas públicas de educação, Erasto Fortes Mendonça.

Segundo o pesquisador, a rigidez disciplinar nas escolas pode segregar alunos que não se enquadrarem no modelo.

“Pode ser um adolescente em uma situação vulnerável, que vai ter que deixar a escola que pode ser na rua da casa dele”, disse.

De acordo com o secretário Renato Feder, pode acontecer de alunos não se adaptarem ao modelo, mas, segundo ele, os critérios definidos para que os alunos tenham opções de colégios tradicionais próximos de casa.

“Respeitamos quem não têm esse desejo, e estas pessoas também terão à disposição um ensino público de qualidade nas outras escolas da rede. Antes mesmo deste projeto, o Paraná já vem avançando no Ideb. Estamos melhorando o ensino público como um todo”, afirmou o secretário.

Civismo

O modelo também tem sido buscado por pais de alunos da rede privada de ensino. Criado em 2018, o colégio particular Vila Militar, de Curitiba, tem crescido 7% ao ano em número de matrículas, de acordo com o diretor da instituição, Coronel Nelson Soares.

Mesmo para 2021, quando escolas particulares podem ver uma queda no número de matrículas por conta do longo período sem aulas presenciais, o diretor do Vila Militar projeta aumento no número de alunos, dos atuais 650 para mais de 700.

“Temos muita procura. São famílias que optam pelo formato, que valorizam o culto aos símbolos da pátria, que buscam uma educação pautada pela disciplina e pelo respeito”, afirmou Soares.

Segundo ele, os pais buscam este tipo de educação por valorizar a “responsabilização dos estudantes com reflexo no coletivo”.

“Um exemplo é que o aluno participa ativamente no processo de manutenção do espaço físico que ele utiliza”, explicou.

Para o diretor do Colégio Vila Militar, existem muitos mitos em torno das escolas cívico-militares. Ele afirma que os colégios “não são quarteis com pequenos soldados”.

Ele afirma que mesmo a rigidez disciplinar é uma forma de ensinar aos alunos valores importantes para se viver em sociedade.

“Nós prezamos, acima de tudo, pelo respeito. Respeito aos colegas, aos professores, aos funcionários, mas também respeito às diferenças, empatia, tolerância”, defendeu.

Fonte: https://g1.globo.com/pr/parana/educacao/noticia/2020/11/12/professores-e-pesquisadores-criticam-modelo-civico-militar-para-escolas-estaduais-secretario-diz-que-proposta-atende-anseio-da-sociedade.ghtml

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